Espreguicei-me, estiquei os meus aros e senti a madeira a expandir-se, todos os seus nós e fissuras deram um pouco de si. Já não sou novo quanto outrora mas ainda me mexo bem e afinal para o meu “mister” quanto mais velho melhor, mais apurado fico, melhor néctar produzo.
Soube-me bem esta soneca de quase quatro meses. Lá fora já oiço as vozes agudas das mulheres acompanhadas nos seus cânticos pelos graves dos homens. Já começou a vindima, tal como o urso que hiberna de inverno, eu hiberno no verão, depois de vazio e limpo adormeço e preparo-me para a nova colheita.
Olá cá estás tu, já há algum tempo que não te via, vens ver como estou e preparar-me para receber o néctar que já oiço correr no lagar ali ao lado. Sinto-me limpo quase novo pronto para o receber ... espero que seja tão bom quanto o anterior que tantas alegrias deu aqui nesta adega onde me encontro.
E esse teu verão como foi? O meu foi muito sossegado mal me visitas-te. Estás moreno, muita praia? Olha que o sol faz mal, se a mim me deixa seco como uma cortiça o que fará a essa tua pele sensível. Mas o olhar continua o mesmo, esse olhar profundo que tanto cativa. Também estás mais velho, afinal o tempo também passa para ti, já se notam aqui e ali alguns cabelos brancos e um pouco mais gordinho também, que andaste a fazer?
Olha quem vem ali carregado com um almude desse precioso liquido com que me vão encher, o teu, o nosso amigo engenheiro. Homem de boas qualidades com uma embocadura do tamanho do mundo e até a caldeira dele está um pouco maior. Deve ser por causa dessa minha concorrente de verão a cerveja, essa malfadada bebida fermentada de cereal que só provoca gazes e grandes barrigas e para deixar um pouco alguém alegre é preciso consumir em grandes quantidades. Só a bebem porque é servida fresca e é leve. Enfim, nada como um bom vinho para acompanhar uma boa refeição e deixar uma pessoa satisfeita.
Sinto-me novamente cheio, vou ficar a fermentar e a pensar no inverno e nas farras que se aproximam, este ano promete. Espero que este ano o néctar seja realmente produto dos deuses.
Venho do campo,
o comboio o meu cavalo
que me carrega até à cidade
a net a minha auto estrada
onde me liberto do stress
venho do campo
onde as ovelhas brancas pastam
aqui e ali negras sarapintam os pastos
são especiais
mais alegres e brincalhonas
venho do campo
onde o tempo parou
a cidade?
essa ficou lá bem ao fundo
longe das memórias
de quem fica no campo.